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terça-feira, junho 27, 2006

Tocaia da Paraíba

Tocaia agora em "Botando pra Quebrar"

O grupo Tocaia da Paraíba acaba de lançar o tão esperado segundo CD da carreira, intitulado "Botando pra Quebrar". O lançamento oficial aconteceu na semana passada no Teatro Iracles Pires, em Cajazeiras, interior do Estado, de onde o grupo veio. Ontem, no MPB Funesc, eles abriram o show dos pernambucanos Dominguinhos e Nando Cordel, e deram uma mostra do que está contido no disco.
É complicado escrever sobre um grupo que está à cerca de dezoito anos fazendo música no alto sertão da Paraíba. O esforço para não se cometer erros é uma constante no trabalho do grupo. Tanto é verdade que mesmo com a entrada e saída de alguns integrantes eles continuam na ativa.
Mesmo sem querer utilizar metáforas para construir conceitos é inevitável perceber o quanto à música produzida pelo Tocaia da Paraíba está ligada às coisas o mundo. No disco, "Botando pra Quebrar", a sonoridade musical continua sendo a mesma, ou seja, cocos de roda, cirandas, baião, maracatus, bumba e todos os elementos constantes na cultura popular. Tudo isso aliado à nova ordem mundial da sociedade de massa, industrializada e tecnologicamente informatizada, o que faz com que o trabalho tenha uma especificidade, e estabeleça assim uma nova maneira de ser e estar no mundo da música.
No disco são encontrados 15 composições de autoria de Erivan Araújo, Naldinho Braga, Pedro Santos, Salvador Alcântara, Marcos Vinicius. A música para cinema é uma constante neste trabalho. A começar pela primeira faixa de Salvador de Alcântara (Desafio) que foi composta para o filme "O Sonho de Inacim", de autoria do cineasta Eliezer Rolim, que teve como locação a cidade de Cajazeiras. O grupo participa em uma das cenas do filme ao lado do cantor e compositor Flávio Eduardo (Fubá) que interpreta o personagem Zé das Antas.
Outra música que está na trilha sonora do filme é a canção Saóra (Naldinho Braga – faixa 3). Saróa é o nome do padeiro mais conhecido da cidade de Cajazeiras, falecido a pouco tempo, e foi composta para homenagear a personalidade mais popular da cidade, conhecido tanto pela qualidade do seu produto, como pelos gritos que dava pelas ruas da cidade anunciando a todos o seu pão. Os gritos viraram slogan na sociedade mundializada e se tornou refrão na música. "Eh! que pãozão de arroba. Corre que tá se acabando!", diz a canção que conta com a participação muito especial da cantora e compositora Cátia de França.
O pão produzido por Saóra continua sendo fabricado pelos filhos e, segundo Erivan Araújo, é bastante consumido pela população de Cajazeiras, por ser um pouco menor do que o pão industrializado das padarias, mais consistente e com menos fermento do que as massas convencionais. "Este disco tem vários personagens que estão no imaginário popular, fictício ou não", comentou Erivan que nasceu em Campina Grande, mas que fixou residência em Cajazeiras há cerca de doze anos para trabalhar como professor de música.
Neste trabalho três músicas são de autoria do maestro Pedro Santos, a exemplo de "Canção do Serviço" (gravada por Zé Rodrix - faixa 15) que foi produzida para o filme Salário da Morte em parceria com Marcos Vinicius, "Zefa Cajá" (Walter Lima Júnior e Pedro Santos - faixa 11), que também é personagem do livro Menino de Engenho, de autoria de José Lins do Rego, composta para o filme que leva o mesmo nome. A terceira canção, composta para o mesmo filme, se chama Zé Cutia (Walter Lima Júnior e Pedro Santos – faixa 2).
Os índios não poderiam ficar de fora deste universo cultural da Tocaia. A canção Tabajara (Erivan Araújo), um caboclinho, que está presente no disco da cantora Gláucia Lima, é uma música dedicada ao Jaguaribe Carne e a professora de Sociologia Ana Coutinho. "É uma homenagem que particularmente eu faço a tribo dos tabajaras, do qual eu tenho descendência. Minha mãe e minha avó são descendentes indígenas", revelou Erivan. Este bem elaborado projeto musical não pode ser considerado um trabalho de etnomusicologia, mas, de acordo com Erivan, é uma tentativa de entender a cultura popular através da antropologia.
As coquistas Selma do Coco e Lia de Itamaracá também são homenageadas neste trabalho com a canção Duas Gatas que conta com a participação do trombonista Radegundis Feitosa. Outro homenageado no disco é o escritor Ariano Suassuna com a música "João Grilo" (faixa 8), em que na visão do letrista Erivan Araújo, criador e criatura se misturaram tanto e se assemelham tão profundamente que ninguém mais sabe quem é o escritor e quem é o personagem. A música surgiu de um poema escrito pelo músico e em seguida musicado. Num processo completo de aliteração, o compositor brinca com o nome do autor do Santo e a Porca. O escritor, segundo Erivan, chegou a ver a letra e a escutar a música, e segundo o músico, disse que havia gostado. A música conta com a participação honrosa do grupo Quinteto da Paraíba num bem afinado coro de cordas.
Adriana Crisanto