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quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Jornalismo e Literatura

A pesquisadora e antropóloga em comunicação Isabel Travancas no livro “Antropologia e comunicação” (Ed. Garamond, 2003) diz que o homem tem pressa, tem pouco tempo, quer receber o máximo de informações no menor tempo possível. É a corrida da sociedade moderna, da vida na cidade, da qual se referiu Georg Simmel (1979, p.14). É neste sentido que pensamos o jornal e o jornalista. Foi-se o tempo em que o texto no jornal se aproximava da literatura e conseqüentemente de um leitor menos apressado e mais dedicado.

De certo que muitas discussões já foram travadas entre jornalistas, intelectuais, pseudo-intelectuais, professores de letras, de jornalismo e literatura sobre o tema. Especialistas no assunto não faltam nas duas áreas. E para engrossar a literatura sobre Jornalismo x Literatura foram lançados recentemente duas novas publicações.

A primeira delas “Jornalistas Literários – Narrativas da vida real por novos autores brasileiros” (Summus editoral, 2007, R$ 53,90), uma coletânea de textos organizada pelo escritor Sérgio Vilas Boas. Pode-se dizer que o livro é e não é ao mesmo tempo didático. A obra consiste em uma coleção de 16 narrativas sobre pessoas reais e suas experiências.

Todos os textos foram produzidos pelos alunos de pós-graduação lato sensu (especialização) em Jornalismo Literário, turmas de São Paulo, Campinas, Brasília e Porto Alegre, entre o final de 2005 e o início de 2007. O curso, que é acessível apenas a quem dispõe de muita grana para fazê-lo, é oferecido pela Academia Brasileira de Jornalismo Literário (ABJL) e pela Texto Vivo, que tem no comando os professores e jornalistas Celso Falaschi, Sergio Vilas Boas e Edvaldo Pereira Lima.

Os melhores textos estão estrategicamente colocados em primeiro lugar, como o de Isabel Vieira em que faz um perfil literário do jornalista Marcos Faerman, que foi vitimado por um ataque cardíaco fulminante, na véspera de carnaval de 1999.

Dos 16 textos destaco o de Lorena Tovil Schuchmann “Pasta e Passione”, em que a autora a partir da uma mensagem impressa no verso de uma embalagem de macarrão, parte em busca de seu objeto de investigação literária. Coesão textual, descrição, narração e diálogos são facilmente observados no texto. Objetividade narrativa, típica do jornalismo, criatividade argumentativa, relato dos fatos passo a passo são também outras características do texto da autora.

Paste e Passione conta a história de uma família de uruguaios que veio morar em Porto Alegre, em 1979, quando o caçula da família tinha nove anos de idade. O sotaque foi embora, mas a paixão pela cozinha permaneceu e foi passada de geração em geração até surgir a “Pastifício Italiano – Produzione di Paste Artigianali – Fábrica de Massas”.

Outra publicação da área intitula-se “Jornalismo e Literatura em Convergência” (Editora Ática, 2007, R$ 41,50). A obra é assumidamente didática e chama atenção pelo levantamento histórico-crítico feito por Marcelo Bulhões, professor de pós-graduação do Curso de Comunicação Social da Unesp de Bauru (SP).

O livro além de trazer teorizações sobre as categorias factualidade, ficcionalidade, justaposição dos gêneros narrativos, com destaque para reportagem e o romance, mostra a interferência e influência do naturalismo neste processo.

Para se fazer entender sua prática/teórica o autor buscou seus autores preferidos, a exemplo de João do Rio, Zuenir Ventura, Lima Barreto, Émile Zola, Truman Capote, Sylvio Floreal, João Antônio e Caco Barcellos.

Mas nessa área não tem livro melhor do que Pena de Aluguel (Companhia das Letras, 392 págs). A publicação não é atual, data de 2005, e nela a autora Cristiane Costa fez um belo trabalho ao escrever história da relação entre a literatura e o jornalismo no país.

O livro tenta responder como as duas áreas foram se encontrando com o desenvolvimento da imprensa no país e como a produção em uma área vem influenciando a outra. Afinal, será que o trabalho de um escritor como jornalista pode influenciar a forma como este escreve literatura? Será que o escritor, trabalhando na imprensa, faz melhorar a qualidade dos jornais?

As perguntas servem apenas de mote a uma deliciosa viagem no tempo, onde encontramos desde personalidades como Machado de Assis, José de Alencar, Monteiro Lobato, até nomes recentes da literatura brasileira a exemplo de Bernardo Carvalho, Cíntia Moscovich, Luiz Ruffato, Marçal Aquino e outros.

Pena de Aluguel retoma uma enquete similar feita por João do Rio no início do século, quando os jornais davam um tratamento à literatura bem diferente ao dado hoje. Na época, escritores como Machado de Assis e José de Alencar possuíam um espaço para publicação de livros através do folhetim. Além disso, críticos como José Veríssimo dividiam suas análises na primeira página dos jornais com o próprio editor.

Neste período não havia preocupações como o tempo gasto nas atividades do jornal, com a utilização da linguagem jornalística, com a objetividade, muito menos com lead, sublead, abertura, etc. A autora avança nas observações e questiona: “Afinal, houve alguma mudança no modo como o lado escritor se relaciona com o lado jornalista?” As respostas são variadas e o livro traz alguns comentários a respeito do levantamento, mostrando não somente uma evolução no modo como a questão é tratada pelos artistas.

Outro grande mérito do livro é o modo como a autora fala sobre a evolução da mídia impressa brasileira, sua crise atual e multiplicação de blogs que vem, de acordo com Cristina Costa, provocando mudanças significativas nos principais veículos de comunicação do país.

Não vivi na época do jornalismo literário de Machado de Assis, apenas li seus livros clássicos para o vestibular, algumas reportagens e muitos comentários a respeito do escritor. Diante desta realidade penso que enquanto o jornalismo literário está em extinção nos cadernos culturais brasileiros, a crônica ganhou espaço e revelou outros nomes.

A leitura dos livros “Pena de Aluguel”, “Jornalistas Literários” e “Jornalismo e Literatura em Convergência” servem, portanto, de estímulo para que cada vez mais as editoras possam tratar de modo mais adequado os textos de grandes autores que foram veiculados nos jornais e colocar seus olhos na área de comunicação. O cruzamento entre jornalismo e literatura é ainda uma tribo a ser descoberta e explorada. Uma terra com tesouros de palavras.


Serviço:
Jornalistas Literários - Narrativas da vida real por novos autores brasileiros

Autor: Sérgio Vilas Boas (org.)

Summus editorial
São Paulo

Ano: 2007
315 páginas
Preço: R$ 53,90

Jornalismo e Literatura em Convergência
Autor: Marcelo Bulhões
Editora Ática
São Paulo
Ano: 2007
211 páginas.
Preço: R$ 41,50


Adriana Crisanto
Repórter
adriana@jornalonorte.com.br
adrianacrisanto@gmail.com
Fotos: Divulgação