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quarta-feira, dezembro 31, 2008

Flor que se renova


“Última flor do Lácio, inculta e bela”, prenunciava o escritor Olavo Bilac no poema da “Língua Portuguesa”. Língua que neste 1º de janeiro de 2009 sofrerá sua terceira modificação. Trata-se do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que prevê uma única forma de escrever para os países que falam língua portuguesa, a exemplo de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

As mudanças só vão acontecer porque três dos oito membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) ratificaram as regras gramaticais do documento proposto em 1990. Brasil e Cabo Verde já haviam assinado o acordo e esperavam a terceira adesão, que veio, em novembro do ano passado, por São Tomé e Príncipe.

Com isso, calcula-se que 0,45% das palavras brasileiras terão grafia alterada. Entre as mudanças, estão as extinções dos acentos circunflexos das paroxítonas terminadas em “o” duplo. Assim, "abençôo", "enjôo" ou "vôo" se transformam em "abençoo", "enjoo" e "voo". Fica extinto também o circunflexo das terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos "crer", "dar", "ler", "ver", ficando correta a grafia "creem", "deem", "leem" e "veem". O trema, costumeiramente esquecido, será eliminado completamente.

“Haverá um período de quatro anos para que todas as pessoas se adaptem as novas mudanças”, disse o professor de língua portuguesa Francelino. Por outro lado, acrescentou ele, nenhum concurso público poderá exigir as novas regras. O que pode acontecer é vir citado dentro do exame uma questão em que diga: “Conforme a nova regra da língua portuguesa assinale a alternativa correta”, exemplificou.

O professor de Língua Latina e Filologia Românica da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e do Centro Cultural Zarinha, Fabrício Possebon, considerou a percentagem de palavras alteradas pequena, todavia, esse número, de acordo com ele, não deve nos enganar, pois as palavras com nova ortografia são aquelas que têm uma freqüência relativamente alta. “É o caso, por exemplo, da palavra idéia, que perderá o acento. Ninguém deve imaginar que conseguirá continuar escrevendo pelo antigo sistema e ainda assim estará escrevendo corretamente”, comentou.

O novo alfabeto também ficará maior. Ele vai deixar de ter 23 letras para ter 26, com a incorporação das letras "k", do "w" e do "y". Outra mudança que pode causar estranhamento é a eliminação do acento agudo nos ditongos abertos "ei" e "oi" de palavras paroxítonas, como "assembléia", "idéia", "heróica" e "jibóia".

Com as regras incorporadas ao idioma, inicia-se o período de transição, no qual ministérios da educação, associações e academias de Letras, editores e produtores de materiais didáticos recebem as novas regras ortográficas para, gradativamente, atualizar livros, dicionários, entre outros materiais.

O angolano Ondjaki vê com muita preocupação essa mudança, pois são oito países falando uma única língua. O também angolano Miguel Huurst também vê com preocupação, porque a língua portuguesa é uma das menos lidas no mundo. “Ela cresce muito pouco se compararmos com outras línguas”, disse.

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990) é um tratado internacional que tem como objetivo criar uma ortografia unificada para o português, a ser usada por todos os países que usam esta língua. Foi assinado pelos representantes oficiais de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe em Lisboa, em 16 de Dezembro de 1990, fruto de um longo trabalho desenvolvido pela Academia de Ciências de Lisboa e pela Academia Brasileira de Letras desde 1980. Timor-Leste aderiu ao Acordo em 2004. O acordo teve ainda a adesão da delegação de observadores da Galiza.

O escritor e professor de jornalismo do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba (Decom/UFPB), Edônio Alves, vê de forma positiva as mudanças, pois as línguas vão ter um mínimo de sinais possíveis. “A princípio deve acontecer um certo estranhamento das pessoas, principalmente os escritores e jornalistas que lidam cotidianamente com a escrita, mas com o tempo essas alterações serão facilmente adaptáveis”, comentou o dramaturgo e escritor Tarcísio Pereira. O poeta e escritor, Antônio Mariano, acredita que com as modificações jamais vão conseguir algemar a língua, pois a palavra poeticamente falando está subjacente à grafia.

Para Fabrício Possebon, as pessoas com hábitos de leitura não terão dificuldades com o novo sistema, pois irão se acostumar de modo imperceptível. “Os profissionais da área, como jornalistas e professores, terão o dever de aprender bem o sistema e aplicá-lo corretamente. Já as pessoas que muito raramente escrevem, provavelmente, não usarão o novo sistema e serão sempre reconhecidas por terem sido alfabetizadas pelo sistema antigo”, disse.

Atualmente o português é a única língua do mundo ocidental falada por mais de cinqüenta milhões de pessoas com mais de uma ortografia oficial. Mesmo o castelhano apresenta dezenas de variações de pronúncia na Espanha e América hispânica, mas apenas uma ortografia.

O português Marco Oliveira, programador da rede de televisão Portuguesa RTP, e a jornalista e apresentadora, Luísa Sequeira, também da RTP, acreditam que essa seja principalmente uma medida de fundo econômico. Eles contaram que ficaram surpresos ao chegar no Brasil e encontrar tantas pessoas falando a língua portuguesa. Marco Oliveira observa essa unificação de forma positiva e confessou que têm uma certa dificuldade em entender o português brasileiro, devido, principalmente as gírias usadas cotidianamente.

O acordo possibilita, entre outras facilidades, a criação de normas ortográficas comuns para as variantes da língua portuguesa, facilita a difusão bibliográfica e de novas tecnologias, reduz o custo econômico e financeiro da produção de livros e documentos. O diretor da Editora Universitária da UFPB, José Luiz, disse que por um lado às modificações permite aprofundar a cooperação entre as nações que falam português (terceira língua ocidental mais falada no mundo, depois do inglês e do espanhol), aumentando o fluxo de livros e publicações em todas as áreas, além de favorecer a produção de materiais para a educação a distância.

O diretor José Luiz acredita que as editoras terão que realizar essas mudanças de forma gradual, substituindo-se, por exemplo, os materiais didáticos e dicionários à medida que for necessária sua reposição nas escolas da educação básica.

A editora Publifolha publicou recentemente o livro “Escrevendo pela Nova Ortografia” (136 p. R$ 19,90), de autoria do Instituto Antônio Houaiss e coordenado por José Carlos de Azeredo. O livro já pode ser encontrado para em alguns site da internet e em algumas livrarias da cidade. E a quem interessar possa basta entrar no Portal de Língua Portuguesa disponibiliza de uma forma imediata, acessível e simples um conjunto de recursos que permitem ao utilizador comum da Internet o acesso a informações relativas à língua portuguesa, nas suas diferentes variedades. É uma ferramenta de livre acesso, direcionada para alunos e professores, para profissionais de diversas áreas e, de um modo geral, para todos os que têm interesse e curiosidade pelo funcionamento da língua portuguesa. O endereço eletrônico é o http://www.portaldalinguaportuguesa.org

Adriana Crisanto
Repórter
adrianacrisanto@gmail.com
adrianacrisanto.pb@diariosassociados.com.br
Foto: Internet - Flick - autor desconhecido
*Matéria publicada no Jornal O NORTE.